Consultor considera benéfica a regulamentação de criptoactivos em Angola

Angola recua 31 lugares no índice global de adopção de criptomoedas

O Conselho de Supervisores do Sistema Financeiro (CSSF) propôs ao governo, na passada terça-feira (15), a criação de uma força-tarefa multissectorial para avaliar os impactos transversais resultantes da emissão, custódia e venda de activos virtuais (criptomoedas, CBDCs, stablecoins, tokens, NFTs, etc.) na economia angolana.

Uma proposta que encontra conforto na visão do entusiasta do sector de criptoactivos e consultor em tecnologias, sistemas de informação e segurança da informação, Ivo Martins, que considera a regulamentação como benéfica para os potenciais investidores nacionais que pretendem explorar novas formas de investimento.

Portal de T.I (PTI): O que a regulamentação de criptoactivos representaria para uma economia como a angolana, que ainda é fortemente assente na economia informal?

Ivo Martins (IM): Acredito ser pertinente que se inicie o mais rapidamente possível o estudo, definição e a aplicação dos mecanismos e instrumentos legais necessários para regular a actividade de activos digitais (criptomoedas, NFT’s, Tokens, etc.), por forma a que estes tenham enquadramento legal no sistema financeiro nacional, potenciando os seus benefícios bem como criando mecanismos de protecção ao consumidor.

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Muitos destes novos activos digitais são altamente voláteis podendo sofrer variações diárias elevadas, tomemos por exemplo o Bitcoin que para muitos é considerado um activo para armazenamento de valor (vulgo investimento), sendo que a sua volatilidade o poderá excluir como um meio principal de pagamento no dia-a-dia – durante Janeiro de 2018 e Junho de 2019 chegou a sofrer variações positivas de 16% e variações negativas de 18%.

A regulação dos activos digitais tem de ser encarada como algo benéfico para os potenciais investidores nacionais que pretendem explorar novas formas de investimento, ajudando assim a minimizar actividades fraudulentas dentro do ecossistema de criptoactivos.

Ivo Martins, consultor em tecnologias, sistemas de informação e segurança da informação, e entusiasta dos criptoactivos – Créditos: D.R

PTI: O mercado angolano está preparado para a adopção de criptoactivos?

IM: A curiosidade e a apetência pela utilização e adopção de activos digitais – criptoactivos, tem sido uma tendência crescente em todo o mundo, e o continente africano não é excepção. Alguns dos principais problemas que podem ser identificados na adopção de criptoactivos ou das criptomoedas em Angola prende-se com o acesso fiável e barato de serviços de internet, energia eléctrica nas zonas mais rurais, mas fundamentalmente com os baixos níveis de literacia financeira da população em geral.

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Em 2020 foi publicado um relatório pelo Banco Mundial – com colaboração do Banco Nacional de Angola (BNA) e do Conselho Nacional de Estabilidade Financeira (CNEF), onde foram apresentados resultados do Inquérito sobre a Capacidade e Inclusão Financeira da população angolana que indicavam que, em média, o nível de compreensão de conceitos financeiros básicos pelos adultos angolanos é baixo (19ª posição) em relação aos 21 países relatados no estudo do Banco Mundial, os resultados dos conceitos financeiros nos jovens angolanos situou-se abaixo da média dos 21 países alvo do estudo.

Iniciou-se, no presente mês de Março de 2022, um amplo Inquérito de Literacia Financeira em Angola – promovido pelo Ministério da Economia e Planeamento e o BNA, com uma duração de 4 meses onde serão abrangidos cerca de 43 mil agregados familiares. Os resultados deste inquérito trarão alguma luz sobre os progressos das várias iniciativas de literacia financeira em curso no país, nomeadamente do Programa Nacional de Educação Financeira.

Penso que Angola só estará de facto preparada para uma adopção massificada de criptoactivos quando aspectos como a existência de umo quadro regulatório adequado, e maiores níveis de literacia financeira forem atingidos.

Figura 1 – Exemplo do Quadro resumo das principais conclusões do Inquérito Realizado pelo Grupo do Banco Mundial – O Quão Financeiramente capazes são os angolanos?

PTI: Que aspecto positivo e negativo se pode esperar de uma regulamentação destes activos no país?

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IM: Muitos membros da comunidade dos criptoactivos (ex.: criptomoedas), vêm com alguma apreensão a intervenção dos Estados e Governos no que concerne a regulamentação, nomeadamente o perigo de condicionar o crescimento e inovação do sector. Caberá aos reguladores encontrar o ponto de equilíbrio ideal entre a protecção dos investidores e consumidores através da regulamentação e legislação, e em simultâneo permitir o fomento da inovação e a potenciação dos mercados financeiros promovendo um clima convidativo a novas oportunidades de investimento pelos cidadãos angolanos e estrangeiros, captação de investimento externo e interno para o sector, e eventuais receitas adicionais (directas ou indirectas) para os cofres do estado.

Um dos aspectos positivos que trará a regulamentação é que irá permitir uma adopção dos criptoactivos em maior escala. A existência de regulamentação que proteja os investidores individuais e institucionais irá, certamente, trazer mais pessoas e entidades para esta área, pois eleva os níveis de confiança dos mesmos neste tipo de produtos financeiros. Um possível aspecto negativo da regulamentação, e aqui tudo dependerá do tipo e dos modelos da regulamentação que será adoptada por Angola, é que poderá comprometer a inovação ou minimizar fortemente os efeitos positivos de disrupção no sector financeiro.

Figura 2 – Países e regiões onde as criptomoedas são proibidas, parcialmente proibidas ou onde existe regulação sobre as mesmas (taxação, leis de prevenção de lavagem de dinheiro e de anti-financiamento ao terrorismo). Créditos: https://www.statista.com/chart/27069/cryptocurrency-regulation-world-map/

PTI: A regulamentação incluiria, certamente, a liberalização da mineração de criptomoedas como o Bitcoin. Caso se efective, poderemos enfrentar problemas de distribuição de electricidade semelhantes aos relatados pela China, Cazaquistão e Irão, em 2021, por conta da mineração?

IM: Sim, a actividade de mineração de Bitcoin tem níveis elevados de consumo energético e a proliferação deste tipo de actividade, sem regulamentação e supervisão, poderá causar disrupções no fornecimento de energia eléctrica. No caso do Irão (onde 4.5% da mineração mundial é realizada actualmente) a actividade de mineração de Bitcoin e outra criptomoedas chegou a ser proibida em 2021, por um período de 4 meses, pois registaram-se vários “apagões” em várias cidades do país.

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Fontes oficiais do governo do Irão atribuíram esta onda de “apagões” à escassez do gás natural no país, às secas prolongadas que reduziram a capacidade de produção energética das suas centrais hidroeléctricas, conjugado com a crescente actividade ilegal da mineração de Bitcoin no país. Cerca de 85% da actividade de mineração realizada no país é ilegal. Com cerca de 82 milhões de habitantes, o Irão tem actualmente cerca de 50 centros de mineração de Bitcoin a operar legalmente (licenciados) sendo que estes consomem aproximadamente cerca de 209 megawatts de energia. Estima-se que as receitas provenientes da actividade de mineração de criptomoedas no Irão poderá rondar cerca de 1 bilião de USD, de acordo com analistas da empresa Elliptic.

A actividade de mineração de Bitcoin e outras criptomoedas deverá ser encarada sem sombra de dúvida como uma oportunidade para o país, endereçando em simultâneo os desafios que o consumo adicional de energia poderá trazer.

A Agosto de 2021, cerca de 0.04% de toda a actividade de mineração mundial de Bitcoin era realizada em Angola (baseado na % de hashrate por país – uma métrica que indica o poder computacional que é utilizado a um dado momento por uma rede (ex.: Bitcoin) para verificar e processar transacções, contra 0.02% registados na África do Sul ou até 0.01% registados na Nigéria.

Figura 3 – Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index. Créditos: https://ccaf.io/cbeci/mining_map

Há quem defenda que a mineração de Bitcoin possa vir a ser um dos catalisadores para a transição energética em vários países, nomeadamente no que toca à adopção de novos projectos de instalação de energias renováveis como a eólica, solar e hídrica.

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Durante a última Conferência das Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP26), o Presidente João Lourenço reafirmou o compromisso de elevar o nível de produção de energia de fontes renováveis para 70% da capacidade total até 2025. Uma significativa componente da produção da energia renovável em Angola provém das centrais hidroeléctricas. Estas são uma fonte de produção energética limpa e barata comparativamente com outras alternativas existentes. A comunidade de investidores na área de mineração de criptomoedas têm vindo a demonstrar um crescente interesse na criação e implantação de novos projectos onde as fontes de energia apresentem um custo-benefício mais atractivo e sustentável para o planeta.

PTI: A regulamentação poderia encontrar alguma resistência nos utilizadores de criptoactivos por conta dos princípios “liberais” que estes defendem, como é o caso da privacidade?

IM: Alguns entusiastas da tecnologia blockchain alegam que a encriptação recorrendo a chaves públicas-privadas – vulgo encriptação assimétrica, preserva a privacidade e anonimato dos seus utilizadores e das suas acções. Esta poderá ser uma visão demasiado simplista sobre o que é de facto o conceito de privacidade e anonimato.

Actualmente, já existem métodos para identificar e associar indivíduos a chaves públicas, recorrendo à análise das transacções que são realizadas na blockchain conjugadas com outro tipo de informação disponível publicamente. Existem inclusivamente entidades e empresas que oferecem serviços para identificar indivíduos recorrendo à informação das suas chaves publicas, endereços de carteiras digitais, transacções na blockchain, etc.

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Penso que a existência de regulamentação não irá desincentivar os verdadeiros entusiastas dos criptoactivos, poderá ainda contribuir para uma massificação dos mesmos na população em geral pela confiança e segurança adicional que a regulamentação confere.

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