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Falando ao Portal de T.I após o painel dedicado à análise sobre a regulamentação da inteligência artificial (IA), abordado durante o ANGOTIC, o procurador-geral adjunto da República, Gilberto Mizalaque, defendeu que a IA deve ser aproveitada “em todos os aspectos”, tendo destacado que esta tecnologia pode ser útil no processo de tomada de decisão a nível do nosso sistema judicial.
Segundo o magistrado, os tribunais angolanos, à semelhança do que ocorre noutros países, lidam com questões relacionadas à demora dos processos, devido à insuficiência de recursos humanos. E sendo uma questão cíclica para quase todos os países, refere, a adopção de ferramentas de IA poderia ajudar a suprir essa necessidade.
“Por hipótese, um processo com muitos volumes poderia ser mais rapidamente despachado com o auxílio de uma ferramenta de inteligência artificial, se houvesse a possibilidade de se filtrar os factos com essa ferramenta”, disse o magistrado, acrescentando que o objectivo seria “tornar menos demorado o processo de tomada de decisão a nível do sector judicial”.
“Não me parece que seja possível aceitarmos que máquinas apliquem Direito às pessoas”
Gilberto Mizalaque observa, contudo, que não defende que a justiça seja aplicada por máquinas, por considerar que a justiça é uma produção humana criada para regular a vida em sociedade.
“A justiça é algo de humanos. Nós temos um sentido de justiça, sabemos o que é justo e injusto. Não consigo conceber uma máquina que tenha consciência para, efectivamente, aplicar justiça. Porque, a justiça é uma produção humana criada exactamente para harmonizar a vida em sociedade, portanto não acredito que seja possível”, declarou.
O magistrado referiu ainda que “fala-se em algumas tecnologias de IA muito para lá da capacidade humana e que talvez venham a aplicar justiça aos homens, mas até ao momento não me parece que seja possível aceitarmos que máquinas apliquem Direiro às pessoas, porque é uma prática muito arreigada à nossa vivencia em sociedade e só os humanos percebem como elas devem ser aplicadas aos humanos”.
Relactivamente aos possíveis desvios éticos que as ferramentas de IA possam apresentar, Gilberto Mizalaque sublinhou que as tecnologias são neutras “elas não são boas nem más, tem tudo a ver com quem as concebe”. Neste sentido, prosseguiu, o desafio deve ser a criação de mecanismos que permitam auditar os algoritmos, pois, reforçou, “se eles não estiverem enviesados haverá, naturalmente, uma aplicação ética dos mesmos”.
“Um algoritmo concebido com padrões eticamente correctos há de dar resultados aceitáveis à sociedade. Mas, se houver alguma discriminação, algum enviesamento na sua concepção, teremos resultados também enviesados, daí que a ética tem a ver com quem programa e quem utiliza estes sistemas de inteligência artificial e não já com a própria inteligência artificial “, esclareceu.
“Temos que ter a coragem de evoluir para a elaboração de legislação que trate de inteligência artificial”
Voltando-se à regulação da IA em Angola, o magistrado disse que o primeiro passo é o reconhecimento pelo Estado angolano do potencial desta tecnologia e assumir que ela deve ser maximizada no processo de produtividade da sociedade, por um lado, mas, por outro lado, “garantir que efectivamente ela seja segura e amigável”.
Segundo Gilberto Mizalaque, com a publicação do Livro Branco das TIC – 2023/2027, documento que já aborda essa temática, o país terá a base para trabalhar num quadro regulatório, a partir do qual “teremos como elaborar normas para efectivamente começarmos a regular a inteligência artificial, o que eu considero imperioso”.
“Temos que ter a coragem de evoluir para a elaboração de legislação que trate de inteligência artificial. Mas, essa regulação deve ter sempre em perspectiva o carácter transversal da IA. Nós teremos inteligência artificial na saúde, na administração da justiça, em quase todos os sectores da vida pública e, talvez, privada. Portanto, era necessário depois criarmos um quadro de base de inteligência artificial, para depois ser fragmentado nos sectores em que efectivamente ela se aplica, esta é a minha perspectiva.”
Não obstante a importância do debate sobre a regulação a nível nacional, Gilberto Mizalaque entende que a discussão deve ser levada ao nível global e a forma de o fazer, aponta, é através dos vários fóruns internacionias, muitos dos quais promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), organismo do qual Angola é membro e onde esta matéria é também abordada.
Segundo o magistrado, Angola sendo um Estado parte da ONU deve também participar activamente nos debates que têm lugar neste órgão e que visam aprovar mecanismos internacionais. Para tal, sublinha, “temos que ser proactivos e incisivos, para que efectivamente a nossa voz se faça ouvir também nas Nações Unidas”.