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MSc Engenharia Química Sustentável, Graduação 8 de Dezembro de 2004 – créditos: D.R
PhD em Engenharia Química Graduação 5 de Fevereiro de 2009
Créditos: D.R
Teresa Matoso Manguangua Victor, uma pesquisadora angolana de referência internacional em Engenharia Química e uma das melhores cientistas do mundo nessa área, é a nossa entrevistada nesta edição que ocorre no quadro das celebrações do Março Mulher.
Os dados desta entrevista exclusiva que agora vai ao ar foram cedidos e compilados ao longo do último semestre do ano 2023.
PTI – Ajude-nos de forma breve a compreender quem é a professora Teresa Matoso Manguangua Victor.
Teresa Matoso Manguangua Victor (TMMV): Sou uma cientista e engenheira, doutorada em Engenharia Química pela Universidade de Newcastle upon-Tyne, em Newcastle upon-Tyne, Reino Unido.
Recuando no tempo, em 2001 licenciei-me na Universidade de Northumbria Newcastle upon-Tyne, Reino Unido, em Engenharia Química (licenciatura que visa formar profissionais em processos químicos, laboratoriais e industriais como um todo). Esta licenciatura, foi concluída com a classificação final de Grau de Honra. O meu projecto de fim de curso incidiu sobre “Destilação Fraccionada do Crude – Petróleo Bruto”.

BSc(Hon) Química com Engenharia Química Graduação 27 Junho 2001 – Créditos: D.R
Em 2004, concluí o Mestrado em Engenharia Química Sustentável, no Departamento de Engenharia Química e Materiais Avançados da Universidade de Newcastle upon-Tyne, Reino Unido. Posteriormente, doutorei-me em Engenharia Química, com um projecto multidisciplinar abrangendo as áreas de Engenharia Química e Biotecnologia, tendo defendido a minha tese em 2008 também na Universidade de Newcastle upon-Tyne.

De 2009 a 2014, tive o privilégio de ser convidada para trabalhar no mesmo Departamento (Departamento de Engenharia Química e Materiais Avançados), nos Projectos da União Europeia, denominados (PolyCAT e CoPIRIDE) como Investigadora Associada.

De 2014 a 2019, tive o feliz ensejo de ser convidada para fazer parte da equipa duma Start-up multinacional denominada Nutriss Lda, que tinha como objecto da sua actividade explorar e comercializar as propriedades intelectuais da Universidade, onde desempenhei as funções de engenheira de desenvolvimento de processos.

Créditos: D.R
Actualmente, exerço a actividade de docente no Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC), Luanda – Angola, onde lecciono as cadeiras de Cálculo de Reactores, Engenharia de Processos e Termodinâmica para Engenharia Química II.

Exerço também funções de Investigadora principal dos projectos: Intensificação de Agro-Processo e Valorização dos Resíduos de Café como Alternativa para a Fertilização dos Solos – FUNDCIT, em colaboração com demais colegas.
Acumulo ainda as funções de Investigadora principal dos projectos de Agro-Processo; Projecto de Etanol pela Conversão de Gás de Síntese e o Projecto de Preparação de Catalisadores Heterogêneos.
Poderia assim dizer que as minhas áreas de investigação incluem: Engenharia Química, Intensificação de Processos, Química; Polimerização e Catálise, Ciência dos Materiais, Microbiologia, Biologia Molecular e Energias Renováveis.
PTI – Como é que surge o seu interesse pela ciência e, particularmente, pela engenharia?
TMMV – A esse respeito permita-me referir que devo esta paixão pela Engenharia Química em particular ao meu falecido pai, o senhor Neves Manguangua da Silva, que trabalhou como fiel de armazém numa companhia britânica chamada Reckitt & Colman LDA, em Luanda, na AV. Norte da grande Zona Industrial, nos idos de 1973-1985.
Essa empresa, produzia perfumes, cosméticos, produtos de higiene e limpeza para uso doméstico e industrial. Essa circunstância, inspirou-me a ter um carinho especial pela Engenharia Química.
Para além de ser inspirada pelo trabalho do meu pai, também fui inspirada pelo do meu o tio; o Dr. Domingos da Costa Matoso, o primeiro negro licenciado em Medicina Veterinária em Angola no Instituto de Investigação Veterinária de Angola(IIVA), sedeado na Província do Huambo, que já nos anos 70, estava a fazer pesquisas em Bacteriologia com vista ao seu Doutoramento.
PTI – A professora está envolvida com a ciência há mais de duas décadas. Que momentos marcaram a sua trajectória ao longo destes anos?
TMMV – Durante os meus estudos para o doutoramento, inventei uma tecnologia revolucionária e inovadora relacionada com um material microporoso, inerte, hidrofílico e elastómero com uma alta hierarquia estruturada dos poros e elevada capacidade de absorção de fluídos e adsorção de partículas, propriedades essas que tornaram o material versátil com diversas aplicações em áreas como Saúde, Agricultura e Meio-Ambiente.
Como resultado desse trabalho inovador, obtive duas patentes internacionais:
A primeira denominada:
Process for preparing a functionalized polyHIPE polymer (Processo para preparar um polímero POLYHIPE funcionalizado). Patente: US20080281003 A1.
Em que o material, em geral, serve para várias aplicações, incluindo a nível da Saúde, e do Ambiente, particularmente no processo separação de partículas em caso de derrame de petróleo bruto e na mitigação dos efeitos ambientais, na limpezas de gases e separação de líquidos.
Essa tecnologia é também utilizada como um micro-bioreactor para imobilização de microrganismos e células para produção de antibióticos, proteínas e de enzimas, e engenharia de tecidos.
A segunda patente designada por:
Synthetic symbiotic system as soil additives to deliver active ingredients through plant roots for enhanced plant and crop yield (Sistema Simbiótico Sintético como Aditivos do Solo para Fornecer Ingredientes Activos Através de Raízes Vegetais para Aumentar o Rendimento das Plantas e das Culturas). Patente: (WO2010040996 A2).
Neste caso, o material SRS (Rizosfera Simbiótica Simulada) é direcionada para uso no ramo da agricultura e no melhoramento qualitativo de solos, rios e lagos poluídos.
Permita-me referir que, o uso deste material como micro-bioreactor para o melhoramento da produção de antibióticos tornou-se uma abordagem inovadora para produção dos Antibióticos tendo-me valido no ano passado (2022) a atribuição do galardão International Best Researcher AWARD – 2022 (Prémio Internacional de Melhor Investigadora) nas áreas de Engenharia Química e Biotecnologia.
Essa distinção foi-me atribuída pela Sociedade Internacional para a Rede Científica (ISSN, na sigla inglesa) em consonância com o Conselho Mundial de Pesquisas (WRC, na sigla inglesa), do qual sou membro vitalício desde Novembro de 2022, figurando actualmente na lista dos melhores cientistas do mundo. Desde Setembro de 2022, actuo também como Revisora Credenciada junto do American Journal of Chemical Engineering.
PTI – É fácil dedicar-se à ciência em Angola?
TMMV – Não diria que é fácil, mas posso afiançar-lhe que é possível. O caminho faz-se caminhando. O Executivo está a fazer um grande esforço de preparar os recursos humanos capazes para que possamos ombrear com os melhores centros universitários.
É natural que, a nível dos equipamentos, ainda carecemos de melhoramentos no que tange ao seu apetrechamento para podermos realizar determinadas experiências. Precisamos também estabelecer uma maior simbiose entre a academia e as indústrias, uma maior aposta na criação de equipas multidisciplinares para a resolução dos nossos problemas e apostarmos mais na meritocracia.
Enquanto docente universitária e pesquisadora, aquilo que me anima e constitui objecto da minha missão é ser capaz de transmitir aos meus alunos, não só os conteúdo programáticos dos nossos programas curriculares, mas também o know how, por forma a que estes se proponham a ir mais além.
O aluno deve ter a pretensão de chegar mais além que o seu mestre. Devemos dismistificar essa coisa de que aquele que aprende não pode suplantar quem o ensinou. Os tempos mudam e as oportunidades estão aí para quem as quiser agarrar.
PTI – Quais são os principais desafios que um aspirante à cientista pode enfrentar em Angola e, considerando a sua experiência, como podem ser superados estes desafios?
TMMV – O grande desafio é termos a capacidade de mudar as mentalidades, nomeadamente: a relutância em trabalhar em equipa, o descrédito sistemático das capacidades dos nossos semelhantes, a dificuldade em reconhecer o mérito de outrem e a desvalorização de tudo o que é endógeno.
Para ultrapassarmos estes desafios, permita-me sublinhar algumas habilidades científicas e técnicas essenciais para um investigador(a) que são: uma boa capacidade de comunicação, um apurado espírito de trabalho em equipa, valorização da importância da multidisciplinaridade na busca de soluções eficazes, a observação dos factos e fenómenos científicos, a empatia com as questões candentes da sociedade e do mundo em geral, e a utilização consistente de uma abordagem metódica para a resolução dos problemas das nossas sociedades.
PTI – Temos incentivo suficiente do Estado para o fomento e desenvolvimento da ciência no país?
TMMV – Sabemos que tendo em conta a conjuntura actual, quer a nível local como global, os recursos são insuficientes face à demanda das necessidades a nível da ciência e tecnologia. Não obstante, devemos assinalar que o Executivo tem feito um esforço assinalável no sentido de inverter o quadro actual.
Veja-se o programa que o INAGBE, Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo tem de enviar 300 bolseiros para as melhores universidades do mundo. E as áreas de formação prioritário são as de engenharia, tecnologias e ciências da saúde.
Por outro lado, haja visto o compromisso já assumido pelo mesmo Executivo de até 2027 aumentar para 30% a Taxa das mulheres na Investigação Científica, o que foi também reiterado no discurso de abertura do primeiro fórum Internacional da mulher pela paz e democracia pela Vice-Presidente da Republica de Angola Prof. Dra Esperança da Costa. Temos aí o exemplo da Escola 42 que foi inaugurada no dia 12 de Julho de 2023 por Sua Excelência o Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço.
PTI – Qual é a sua visão sobre a representação feminina em áreas como ciência e tecnologia em Angola?
TMMV – A minha visão sobre a representação feminina a nível da ciência e tecnologia no nosso país, tanto quanto me é dado perceber, é que ainda não há paridade no que respeita ao género.
PTI – Actualmente defende-se uma maior adopção das disciplinas STEM no país, para aumentar o número de quadros formados em áreas exactas. Qual é a sua opinião sobre esta proposta?
A minha opinião é que deveríamos promover o ensino das STEM. Do meu ponto de vista, estas disciplinas, sendo fundamentais para os cursos científicos e tecnológicos, devem ser desmistificadas de maneira que os alunos não as encarem como obstáculos nos seus percursos académicos. E isto deve acontecer desde o Primeiro Ciclo.
PTI – De que forma a sua presença no World Research Council tem contribuído para promover ou difundir as iniciativas científicas angolanas?
TMMV – Significa poder ter a oportunidade de finalmente, contribuir com todas as minhas propriedades intelectuais no desenvolvimento da ciência. Tenho tido a oportunidade de ter contacto muito interessantes para o estabelecimento de parcerias com colegas de diversas geografias e ajudar a mudar a ideia desajustada que muitos têm de África e de Angola, em particular, no que respeita a ciência e a tecnologia.
Permita-me referir aqui que a minha preocupação mais sagrada, sem qualquer presunção ou falta de modéstia, é a transferência de conhecimento e a passagem de know how às gerações vindouras.
Por isso mesmo, estou envolvida com projectos ligados a intensificação do agro-processo, preparação de catalisadores heterogéneos e a colaborar com docentes e discentes nesse sentido.
PTI – Foi recentemente distinguida pela AstraAsia com o título “Mentes Brilhantes da Ciência, Tecnologia e Pesquisa”. Qual é o significado desta distinção no seio académico e o que ela representa para si?
TMMV – O Asia Research Awards (Prémios de Pesquisa da Ásia – ASTRA) premia a excelência e a relevância dos trabalhos de pesquisa científica nos mais variados domínios, sendo actualmente uma referência em todo o mundo. O fórum é convocado pelo WRC & Times of Research e é conduzido de acordo com as Resoluções do Asia Research Awards Board Meeting.
O ASTRA é uma organização científica associada ao WRC & Times of Research que anualmente homenageia os académicos singulares e instituições ligadas a divulgação da ciência. Os homenageados são normalmente pesquisadores que agregam valor a esta marca, sendo símbolos genuínos de apreciação e reconhecimento para o acto de pesquisa e excelência académica em vários ramos da ciência.
Deste modo, os prémios de ciência, tecnologia e pesquisa da Ásia 2023, dos quais a ARA faz parte, galardoam as mentes brilhantes da ciência, tecnologia e pesquisa numa dimensão global. O principal objectivo do ASTRA é criar uma atmosfera de competição a fim de elevar os níveis de desempenho dos participantes (pesquisadores, médicos, cientistas, engenheiros e académicos) com a melhor performance, reconhecendo as conquistas dos nomeados através da avaliação dos seus pares.
É nesse contexto que surge a expressão mentes brilhantes. Deste modo, a distinção pela Astra Asia representa o reconhecimento de todas as minhas pesquisas que desde sempre tiveram um carácter inovador que, desta vez, isto é, a 1 de Julho de 2023, fui outra vez galardoada com o prémio Prémio Internacional de Cientista Inovadora do Ano em Engenharia Química, pela pesquisas e excelência académica em Engenharia Química, sob a égide do Times of Research & WRC.
Tal reconhecimento deveu-se ao trabalho de investigação sobre “BioAgGro Technology the Global Solution”, premiando também todo o meu engajamento com a investigação cientifica numa trajectória que já dura mais de duas décadas.
Devo referir ainda que já no passado mês de Maio (07/05/2023), fui premiada, pela pesquisa e excelência em “Polímeros Micro-porosos “, onde destaquei a versatilidade e mais valia desse material inerte.
PTI – Como avalia o sector da Engenharia Química em Angola?
TMMV – Para responder esta pergunta teríamos que recuar um pouco na História da Engenharia Química, destacando o papel do engenheiro químico como um projectista e gestor de processos industriais, o que já é reconhecido desde o final do século XIX.
De referir que os avanços tecnológicos têm impulsionado a engenharia química, contribuindo para que essa se afirme como uma engenharia universal e abrangente. O engenheiro químico tem um papel importante na fabricação de produtos imprescindíveis para a sociedade moderna. Também cabe ao engenheiro químico saber lidar com a formulação e a solução de problemas associados à indústria química, bem como trabalhar na operação e manutenção de sistemas (engenharia de processos), estudar a dimensão de equipamentos, questões como a transferência de calor e de massa, entre outros aspectos que são fundamentais para o sector industrial, também deve ser capaz de resolver os problemas, conhecer, compreender e utilizar os princípios e as leis gerais da termodinâmica.
Angola sendo um país em desenvolvimento, as poucas industrias existentes devem criar uma relação em consonância com a academia, para que os académicos, pesquisadores e os estudantes desenvolvam um intercâmbio sob a forma de transferência de know how, para dar respostas científicas e tecnológicas. Práticas já realizadas em outras geografias, com resultados excelentes alcançados.
Desta forma, tendo em conta os grandiosos projectos que o nosso governo tem traçado para os próximos anos, designadamente a construção das três refinarias e ainda o projecto Angola LNG, considerando ainda a diversificação da economia nacional, com uma atenção especial ao sector agrícola, sou de opinião que deveria haver uma simbiose entre a academia e sector industrial e as outras actividades conexas por forma a permitir o contributo autorizado de peritos competentes deste ramo do saber. Quero significar, uma aposta nos recursos humanos existentes nas nossas universidades. Daí, os nossos currículos universitário deverem sempre estar alinhados com os desafios e necessidade do nosso país, espelhando-nos também naquilo que de melhor vai acontecendo além fronteiras na medida em que hoje o nosso mundo é uma aldeia global que premia acima de tudo a competência e a excelência não importa a geografia.
PTI – Que mensagem gostaria de deixar aos angolanos, especialmente às mulheres angolanas, que sonham em dedicar-se à investigação científica?
TMMV – O meu augúrio é que esta premiação possa incentivar e estimular os angolanos e as angolanas que querem abraçar a investigação científica como carreira e dizer-lhes que é possível quando somos resilientes, comprometidos com o saber, dedicados nas nossas matérias, persistentes, criativos, e dotados de um espírito de sacrifício e renúncia, e que é possível alcançarmos os nossos sonhos.
Dizer-lhes também que um dia alguém notará o seu empenho e excelência e as portas abrir-se-ão. Temos que fazer a nossa parte. Ninguém fará por nós.
Quero aproveitar este ensejo para sensibilizar quem de direito no sentido de continuarmos apoiar os recursos humanos existentes no país, alguns deles altamente capacitados e engajados no que a investigação cientifica diz respeito. Que sejamos capazes de criar políticas que sustentem esse ramo da ciência por forma a termos quadros valorizados e motivados.
Mais concretamente, indo de encontro a sua pergunta, gostaria que este galardão servisse também para estimular a criação de uma indústria farmacêutica nacional, que absorvesse as capacidades intelectuais já existente entre nós, de maneira a suportar o desenvolvimento tecnológico deste ramo de actividade e outros conexos.
Em resumo: devemos manter o foco nos nossos sonhos, devemos ser resilientes na prossecução dos nossos objectivos, precisamos desmistificar as questões das STEM, procurar sermos criativas e inovadores nas nossas abordagens, inspirarmo-nos em figuras relevantes da ciência, sermos perseverantes, assertivas e determinados nos nossos propósitos, sem temer errar porque ultrapassar o erro é o caminho para a perfeição. Para as meninas e senhoras diria que não fizessem do casamento ou da maternidade um impedimento a vossa realização profissional. E ao sexo oposto diria que apoiassem as suas parceiras, porque no final sairemos todos a ganhar.