Imagem: Ferreira Manuel via ChatGPT
Esta talvez seja a primeira vez neste século em que, de facto, uma nova tecnologia fez tremer as bases do Jornalismo enquanto actividade profissional que consiste em apurar, recolher e coligir informação, redigindo-a sob a forma de notícia que se destina a ser divulgada junto do público através de um meio de comunicação de massas. E o responsável chama-se Inteligência Artificial (IA).
Apesar de ser apresentada na década de 1950, a IA é, de modo geral, uma tecnologia relactivamente nova tanto para o Jornalismo quanto para os jornalistas. Mesmo assim, tal como os jornalistas fazem há séculos, essa tecnologia já consegue recolher, coligir e produzir notícias para um público heterogéneo, com o grande diferencial de fazê-lo em fracção de segundos.
A IA, portanto, já não é uma tendência do futuro. É, sim, uma realidade presente que molda as estratégias das empresas de comunicação e, igualmente, a prática jornalística, desde a produção de conteúdos até à distribuição e consumo de notícias.
Perante o actual contexto faz-se necessário questionar: deve o Jornalismo adoptar a IA?
A nível do sector, as opiniões divergem sobre a integração ou não de sistemas de IA no Jornalismo. Um relatório exaustivo divulgado pelo Observatório da Comunicação (OberCom), em Fevereiro de 2025, indica a existência de “forças de resistência” e “forças de pressão” na adopção dessa tecnologia.
Por um lado, há:
- O receio dos jornalistas em perder o emprego e o controlo editorial diante da IA;
- A preocupação das redacções sobre a reacção da opinião pública quanto ao uso da IA na actividade jornalística;
- A escassez de profissionais com competências técnicas para trabalhar com essa tecnologia;
- A falta de regulamentações no Jornalismo e preocupações com os vieses algorítmicos na produção de notícias;
- Os altos custos económicos de implementação de sistemas de IA.
São essas, em síntese, as questões que mantêm reticentes os profissionais e as empresas de comunicação em adoptar a IA.
O estudo indica também, por outro lado, a existência de “forças de pressão” que apoiam a adopção dessa tecnologia nas redacções devido aos seguintes factores:
- Aumento da eficiência e produtividade;
- Redução de custos operacionais;
- Personalização de conteúdo;
- Rapidez na análise de grandes volumes de dados;
- Aumento da competitividade.
Fica claro à partida que a IA, à semelhança doutras tecnologias que sucederam o Jornalismo, como a prensa de Johannes Gutenberg no século XV e a própria Internet , no século XX, é uma ferramenta facilitadora e que a sua adopção seria um aditivo transformador ao sector e à prática jornalística, apesar dos desafios técnicos e éticos que tal impõe.
A tendência vista em números
Pelo mundo, a criação de textos para diferentes plataformas a partir do texto original do jornalista representou 54% do uso das ferramentas de IA por estes profissionais em 2023, segundo dados da Associação Mundial de Jornais (WAN-IFRA).
No mesmo ano, segundo a associação, fazer pesquisas simples sobre determinados tópicos representou 44%, aumentar a eficiência em processos de trabalho representou 43% e fazer correcções a textos representou 43% do uso dessas ferramentas pelos jornalistas.

Resposta à pergunta “De que forma a sua redação está a trabalhar ativamente com ferramentas de IA generativa como o ChatGPT?” – Créditos: WAN-IFRA
Em 2024, em resposta à pergunta “Enumere pelo menos três tarefas em que gostaria, idealmente, de utilizar a IA Generativa no seu trabalho se ela fosse capaz de produzir resultados de qualidade”, os inquiridos pela agência noticiosa norta-americana Associated Press responderam: criação de conteúdo de texto (78.6%), recolha e análise de informação (34.9%) e tarefas relacionadas com o negócio (27.5%). O inquérito foi submetido a diferentes trabalhadores da indústria dos media e permitiu identificar três principais tarefas nas quais os jornalistas gostariam de utilizar a IA.

Resposta à pergunta “Enumere pelo menos três tarefas que gostaria, idealmente, de utilizar a IA Generativa no seu trabalho, se ela fosse capaz de produzir resultados de qualidade” – Créditos: Associated Press
Noutro patamar, o Reuters Institute for the Study of Journalism realizou, também em 2024, um inquérito dirigido aos profissionais dos media com cargos de chefia. A pergunta central foi: quais seriam os usos mais relevantes da IA naquele ano. As três tendências apontadas como “muito importantes” foram: Automação de back-end – como tagging, transcrição e edição (56%), Distribuição e recomendações – como páginas iniciais personalizadas e alertas (37%), e Criação de conteúdo – como resumos e títulos (28%).

Resposta à pergunta “Até que ponto os seguintes usos de inteligência artificial (IA) e IA Generativa serão importantes para a sua empresa em 2024?” – Créditos: Reuters Institute for the Study of Journalism
Note que aqui o foco prendeu-se à visão estratégica de quem toma as decisões nas redacções e não nos profissionais com diferentes funções citados nos estudos anteriores e que davam grande destaque ao uso em torno da produção de texto.
Conclusão
Podemos reafirmar, deste modo, que a integração da IA no Jornalismo é oportuna e que, apesar dos persistentes prós e contras, essa integração já está em curso e impõe aos jornalistas e às empresas de comunicação a urgência de adaptação rápida, sob pena de ficarem para trás num sector em que a colaboração entre homem e máquina vai fazendo o seu percurso.
Contudo, embora a IA consiga já, de facto, recolher, coligir e produzir noticias para um público heterogéneo em fracção de segundos, ainda lhe faltam capacidades de apuração da informação. Enfrenta ainda dificuldades ao nível da precisão de avaliação de dados e do uso de fontes fidedignas, elementos determinantes na actividade jornalística. Portanto, no contexto actual, mantém-se indispensável a figura do jornalista, especialmente na análise crítica dos dados, avaliação das fontes, observância do código deontológico e no controlo editorial.