530
Nesta entrevista, trazemos a história de Euclides Paulo, um quadro angolano baseado nos EUA que, recentemente, foi distinguido como uma das 50 estrelas em ascensão no sector geospacial global pela organização Geospatial World.
Euclides Paulo é especialista em automação geoespacial, ArcGIS Utility Networks e colaboração interdisciplinar. É responsável pelo desenvolvimento do Formulário de Validação da Rede de Utilidades, apresentado no GIS-Pro 2024, e contribuiu para a análise da migração motivada pelo clima com o Banco Inter-americano de Desenvolvimento.
PTI – Foi distinguido internacionalmente como um dos 50 jovens com menos de 40 anos que se destacaram no setor geoespacial. Pode explicar o que essa distinção representa e o que é levado em conta?
As Estrelas em Ascensão se destacam pelo talento, inovação e impacto significativo no sector geoespacial. São profissionais que já demonstraram contribuições relevantes em escala global. A selecção considera a qualidade do trabalho desenvolvido e o seu impacto transformador, seja por meio de inovações tecnológicas, projectos de grande escala, liderança em iniciativas estratégicas ou participação activa em comunidades profissionais.
PTI – Sabemos que em 2015 chegou à Universidade de Concepción, no Chile, com um grupo de 15 estudantes angolanos. Alguns seguiram áreas como Geofísica e Engenharia de Minas, mas você optou por Engenharia Geomática. O que motivou essa escolha?
Eu buscava algo que unisse tecnologia, inovação e impacto em vários sectores. A Engenharia Geomática conecta o físico ao digital, traduz o espaço em dados e os dados em decisões inteligentes. Ela está presente em cidades inteligentes, agricultura de precisão, prevenção de desastres naturais, monitoramento climático, energia renovável e até na exploração espacial. É uma área que transforma dados em soluções concretas. Foi essa versatilidade e o poder de transformar realidades que me fizeram escolhê-la.

Euclides Paulo com os seus colegas de intercâmbio no Campus de Los Angeles – Créditos: D.R
PTI – Qual foi o maior desafio que enfrentou até agora em sua jornada no sector geoespacial?
A fragmentação entre os sectores. Cada área tem os seus próprios termos, métodos e linguagens. Mesmo usando tecnologias semelhantes, os profissionais da agricultura, meio ambiente ou planeamento urbano muitas vezes não se comunicam entre si. Isso dificulta transitar entre sectores, mesmo com conhecimentos aplicáveis em todos. É um desafio que exige adaptação constante e capacidade de traduzir saberes entre contextos distintos, o que, por outro lado, também abre portas para uma visão mais ampla e integradora.
PTI – Angola tem apostado na formação de jovens para actuar no sector geoespacial. Qual é a sua visão sobre o papel da juventude nesse avanço?
A juventude é essencial. Quando um país investe em jovens nessa área, está a investir em conhecimento, tecnologia e soberania. Capacitar jovens é apostar em ideias novas, domínio de tecnologias emergentes e soluções adaptadas à nossa realidade. É exactamente isso que Angola precisa para construir um sector forte e com impacto real no desenvolvimento nacional.
PTI – Num momento em que mais países africanos apostam no sector espacial, que tendências acredita que definirão o futuro da área em África nos próximos 10 anos?
O continente está a construir a sua independência digital. Já não queremos depender apenas de dados de fora, estamos a criar as nossas próprias capacidades. Projectos como o AngoSat-2 (Angola), NExSat-1 (Egipto) e MDASat (África do Sul), além da actuação da Agência Espacial Africana, mostram que a África caminha para ter a sua própria infra-estrutura de colecta de dados. Mas, a grande transformação acontecerá quando o continente desenvolver o seu próprio sistema regional de navegação como o GPS (EUA), Galileo (UE), BeiDou (China) e NavIC (Índia). Isso é soberania tecnológica, segurança e base para um novo salto económico.
PTI – O que significa, para si, como angolano, ser reconhecido entre os 50 jovens de destaque no sector geoespacial?
É uma honra pessoal, mas, sobretudo, um símbolo de valorização do talento angolano. Esse reconhecimento carrega o nome de todos que fizeram parte da minha formação:
- A Escola Rainha Lueji (Jinguba), onde professores, mesmo com poucos recursos, nos ensinaram com amor e missão.
- O Complexo Escolar São Domingos Sávio, que me marcou com disciplina e excelência académica.
- E a Sonangol, que acreditou na nossa geração e nos deu oportunidade de sonhar alto. Essa conquista não é só minha. É nossa.

Euclides com seus colegas da turma de Engenharia Geomática na Universidade de Concepción, Chile.
PTI – Como espera que o seu trabalho contribua para o avanço da ciência geoespacial e inspire futuras gerações em Angola e no continente africano?
Acredito na inspiração por representação. Quero ser um exemplo de que jovens africanos podem liderar no sector geoespacial global, que é possível sair de escolas públicas em Angola e alcançar impacto internacional com persistência e oportunidade.
PTI – Que conselho deixaria para jovens interessados em seguir carreira no sector geoespacial?
A área geoespacial é movida por mentes inquietas, que veem em cada desafio uma oportunidade de inovação. Mas, a verdadeira magia acontece quando essa técnica se alia à colaboração, porque os grandes problemas raramente podem ser resolvidos por uma única pessoa. Trabalhar em equipa e inovar constantemente é a chave.
PTI – Para finalizarmos: existe algum mentor ou figura inspiradora que influenciou a sua trajectória?
Minha mãe, com a sua força e dedicação, me ensinou os valores da persistência e da integridade. Os meus irmãos sempre alimentaram a minha curiosidade por aprender, incentivando-me a explorar e ir além do óbvio. Foram eles que me mostraram que o conhecimento é uma das ferramentas mais poderosas que alguém pode ter.
—
Actualmente, Euclides Paulo ocupa-se como coordenador de sistemas de informação geográfica da Providence Water, nos EUA.